Dia 11 – Fila de espera II – 30 de Novembro

Todo mês, no dia de buscar a medicação

Na farmácia popular, é sempre assim, demora

Tanto, mas tanto, que a gente acaba sendo obrigada

A ouvir tudo que lá se conta, é que além de o lugar ser

Pequeno, ninguém mais faz sigilo, de modo que,

pra bem de se bem ouvir, o povo já acostumou a contar com a

Voz bem colocada.

Nunca esqueci daquelas mulheres, mãe, filha, e neta.

As três sentaram assim: a jovem com a menina de uns 2 anos sentaram ao meu lado,

A mais velha sentou-se na cadeira defronte.

Estavam lá para buscar remédio para a pequenina, não se sabe porque.

O fato é que naquele dia, elas já estavam na rua desde muito mais cedo,

Elas haviam passado primeiro na delegacia para o B.O de violência sexual contra menor.

A moça, mãe da bem pequena, havia sofrido um estupro na última madrugada, e antes que

Alguém acuse a moça de estar na rua facilitando o ocorrido, eu já adianto que, a jovem estuprada estava na sua casa, cuidava da filha que dormia, e foi quando seu pai, o seu, não o da pequena, o pai da jovem a encurralou na cozinha enquanto a jovem fazia uma mamadeira, a jovem gritou que o pai estava louco, nisso a mais velha acordou e foi até a cozinha, lá se deparou com o seu velho forçando a menina a fazer sexo oral.

O velho ameaçava com uma faca e dizia:

– se me morder te furo!

A velha desesperada bateu com a panela de pressão na cabeça do tarado, pela ultima vez chamado de marido.

E isso contaram na delegacia, e foi justo na delegacia que a velha ficou sabendo que isso já acontecia há muito tempo e que na verdade ele bem que podia ser o pai que a menina bem pequena não tinha.

A velha desabada na tontura, não sabia mais no que pensar.

E lá na farmácia as duas brigaram porque o tal velho surgiu lá,

E entregou pra jovem um iogurte de litro e umas bolachas que era pra ela não sentir fome, e avisou que em casa ela iria encontrar tanta coisa boa que não valeria a pena ela seguir denunciando porque ela arriscava perder os confortos que ele dava.

As duas discutindo e eu ali com o estômago embrulhado, eu queria fugir daquela dor.

Mas ele estava sentado encostado na porta com a netinha no colo brincando de cavalinho.

Tive nojo, asco, e um medo paralisante.

Dor de barriga e uma facada social.

Agora eu já não sabia mais nada.

O quê era pior?

Ser estuprada pelo pai, ou ser traída dentro de casa diante dos olhos, ou se agora quando

O velho tá ali perto da porta bulindo com sua neta.

O velho se molhou e lambuzou a meia calça da neném, todo mundo fingiu que não viu,

A velha havia enviado uma mensagem pelo celular, e a viatura chegou bem na hora do gozo do velho na meia calça e nas fraldas da neném. Dessa vez será que ele dura um mês trancado?

Esse dia foi marcante, dia em que demorou tanto o atendimento, que o homem que tava ao lado do velho, enquanto ele bulia com a neném, dormiu enquanto tudo se passava.

(Janete Flores/Histórias quase Inventadas)

Por Janete Milhão Flores – Vice-coordenadora do Gamp Feminista, Conselheira no Conselho Municipal de Direitos da Cidadania LGBT.

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