Dia 21 – 21 DIA-MULHERES, LOUCURA E (A) NORMALIDADE – 10 de Dezembro
A palavra loucura aparecerá ao longo do texto porque assim foi definida e atrelada as pessoas em sofrimento psíquico desde seus primeiros registros históricos, especialmente, nas obras de Foucalt. No Brasil a história da loucura tem um passado marcado pela violência, repressão e estigmatização.
A liberdade prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, também é valor ético central dos assistentes sociais. E tratando-se de pessoas em sofrimento psíquico, sempre foi a primeira coisa a ser retirada, restando a essas pessoas estigmatizadas como “anormais” o confinamento em prisões materializadas em hospitais. Destacamos que a liberdade na realidade brasileira não foi tolhida somente deste público, mas também das mulheres, conforme destacado na obra de Daniela Arbex, Holocausto Brasileiro.
A anormalidade também é concebida para além da questão da loucura e se concentra nos comportamentos que são desviantes dos padrões da sociedade “[…] indivíduo que é capaz de perturbar a ordem ou a ameaçar a segurança pública […] não se trata mais, portanto, dos estigmas da incapacidade no nível da consciência, mas dos focos de perigo no nível do comportamento” (FOUCALT, 2010, p. 120-121).
Foucault (2010) em sua obra “Os Anormais” exemplifica o exemplo de Anne, que em 1975 foi levada a julgamento e condenada, contudo após recurso na corte foi libertada. Porém sua liberdade foi condicionada a obrigatoriedade do uso de roupas femininas e proibição de visitar lugares com outras mulheres. Neste caso a condenação não ocorreu em decorrência de transtorno psíquico, mas por ser mulher que “[…] tem gostos perversos, gosta de mulheres, e é essa monstruosidade, não de natureza mas de comportamento, que deve provocar a condenação […] a atribuição de uma monstruosidade que não é mais jurídico-natural, que é jurídico-moral […] de conduta” (FOUCALT, 2010, p. 62-63). Sendo assim, não se trata da loucura ou periculosidade, mas uma transgressão moral, de conduta e, portanto, anormal sob o ponto de vista de uma sociedade que historicamente reprimiu e violentou mulheres e meninas em função dos seus comportamentos e escolhas.
Ademais, a história da loucura no Brasil tem uma invisibilidade da sua racialização, mas, Passos (2018) menciona o livro Holocausto Brasileiro, de autoria de Daniela Arbex (2013) onde “[…] podemos identificar através das fotografias contidas no livro que as pessoas que lá estiveram internadas possuíam determinada cor/raça. Logo, torna-se fundamental racializarmos a história da loucura no Brasil” (PASSOS, 2018, p. 17). A maioria das pessoas acolhidas no Hospital Colônia Barbacena eram mulheres negras e na obra são destacadas as internações realizadas em caráter punitivo contra mulheres que não tinham transtorno psíquico, mas eram internadas por serem prostitutas ou após solicitação das famílias e/ou dos esposos em decorrência de comportamentos “desviantes”, rebeldias, traições etc.
Diante do exposto, a história da loucura no Brasil, como no exemplo de Barbacena, foi palco de maus-tratos e tortura que resultou na morte de cerca de 60.000 internos de fome, frio ou diarreia durante nove décadas até o fechamento nos anos noventa. Entres esses internos estavam mulheres e meninas, o que demonstra o histórico dos estigmas relacionados a loucura, mas que também envolvem as questões de gênero e raça. Esses muros repressores da loucura, caíram com o advento da Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil Lei 12.2016/2001, contudo as violências continuam perpetuadas nas instituições que estigmatizam, se omitem e/ou preferem internar e medicalizar mulheres inclusive as vítimas de violencia e/ou usuárias de drogas.
Muitos são os exemplos a serem elencados dos estigmas vivenciados pelas mulheres “anormais” na contemporaneidade: que optam por não ter filhos, e são tachadas como mesquinhas e/ou insensíveis porque não sabem o que é ser mãe; as que usam roupas e frequentam lugares que não são considerados femininos; mulheres da comunidade LGBTQIA+; as que se posicionam, são assertivas e são classificadas como histéricas, loucas e difíceis de lidar. A história se repete“[…] a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” (MARX, 2011, p. 25). Trata-se da “[…] renovação da velha questão social sob outras roupagens e novas condições sócio-históricas de sua produção/reprodução” (IAMAMOTO, 2001, p. 28).
Por Bárbara Domingues Nunes – Assistente Social graduada pela Unipampa (2012). Especialista em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar e Especialista em Gestão Social: Políticas Públicas, Redes e Defesa de Direitos. Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS/2023). Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Ciência Política (Bolsista CAPES/PROEXPUCRS) e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos (UCPELRS). Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Política Social, Cidadania e Serviço Social (GPEPSCISS/UCPEL) e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Saúde e Intersetorialidade (NETSI/PUCRS).
REFERÊNCIAS:
FOUCAULT, M. Os Anormais: curso no collegè de France (1974-1975). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. ABEPSS, ano 2, n. 3, jan./jul. Brasília: Grafline, 2001.
MARX, K. O 18 de brumário de Luís Bonaparte; trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2011.
NUNES, Bárbara Domingues. Política de Saúde Mental em São Lourenço do Sul: Vanguarda na Reforma Psiquiátrica. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Dissertação (Mestrado). Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2023.
PASSOS, Rachel Gouveia (2018) “Holocausto ou Navio Negreiro?”: inquietações para a Reforma Psiquiátrica brasileira. Argumentum, 10(3), 10-22.
Dicas de documentários, filmes e músicas:
Estamira: Dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, lançado em 2005.
Holocausto Brasileiro: Adaptação do livro homônimo escrito por Daniela Arbex.
Músicas: Triste, Louca ou Má- Canção de Francisco, el Hombre e Todxs Putxs-Canção de Ekena.