29 de Janeiro – Dia Nacional da Visibilidade Trans

Por Virginia Martins Sabino, transgênero, graduada em História pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA/Jaguarão) em 2024. Áreas de interesse de pesquisa: gênero, cinema e terror.
Janeiro se tornou um mês onde as vivências de pessoas trans recebem um olhar mais atento, graças às inúmeras lutas e reivindicações que nossos corpos conquistaram (e seguem conquistando) com suas resistências e embates.
Essa data é celebrada desde o ano de 2004, quando Keila Simpson juntamente com um grupo politicamente organizado, a partir da Agência Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA¹) – uma das principais agências de fomento das pautas e políticas públicas voltadas para a população trans -, participaram do Programa Nacional de DST/Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde daquele ano (atual Departamento de HIV/aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (DATHI/SVSA/MS2²). Essa parceria deu início a uma campanha chamada de “Travesti e respeito: já está na hora de os dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”, tendo como objetivo principal a valorização, respeito e acolhimento de nós dentro de todos os espaços públicos. Uma campanha deste tamanho, tendo um apoio governamental, foi primordial para que políticas públicas pudessem ser levantadas e colocadas em prática, como, por exemplo, a seguridade do nome social, o atendimento de nossas demandas através do Sistema Único de Saúde (SUS), cotas sociais em Instituições Públicas, capacitação profissional e incentivo fiscal para que empresas nos abrissem suas portas e nos oferecessem oportunidades.
Termos pessoas engajadas politicamente se faz cada vez mais necessário para que, conquistas como essas, possam manter suas estruturas cada vez mais solidificadas e seguir dando cada vez mais espaço para que novos direitos possam vir a existir. Digo isso, justamente quando temos uma diversidade parlamentar transgêneros e transexuais dentro dos poderes públicos, legislando, debatendo e defendendo a seguridade e concretude de nossas existências, como Érika Hilton, Duda Salabert e Carolina Iara.
Ainda que estejamos falando do campo político nacional, é impossível desassociar de pautas levantadas por governos de outras nações, das quais nosso país acaba recebendo determinadas influências políticas, como é o caso dos tenebrosos decretos recém assinados pelo atual presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, o qual tem se posicionado publicamente contra os direitos adquiridos pela população trans estadunidense³. Decretos esses pautados em ideias binárias de gênero, retrocesso de políticas de encarceramento, além do apoio do grande conglomerado empresarial da atualidade, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, para citar alguns dos mais influentes.
Gostaria de estar escrevendo apenas sobre nossas conquistas e avanços sociais dos quais temos alcançado, mas infelizmente é preciso apontar como o avanço de alguns discursos opressores, como os de Trump citado anteriormente, afetam diretamente nossas vidas. A ANTRA faz um importante papel social ao construir Dossiês com dados concretos sobre as perseguições, aprisionamentos e assassinatos de pessoas trans, tendo o último levantamento divulgado no dia 27 de janeiro de 2025, onde podemos ter o acesso a informações como o número de assassinatos registrados no ano de 2024, chegando a contabilizar 117 travestis e mulheres transexuais, e 5 homens transexuais e transmasculinos, sendo o estado de São Paulo líder no ranking, com o registro de 16 casos.
A organizadora deste Dossiê*, Bruna Benevides escreve que
“As lutas pelo reconhecimento do feminicídio e do transfeminicídio buscam não apenas a punição dos agressores, mas também a implementação de políticas públicas que previnam a violência de gênero, reparem as vítimas e seus familiares, possibilitem políticas de não repetição, campanhas de conscientização, educação em igualdade de gênero e medidas de proteção às vítimas em potencial.” (pág. 107)
Reforçando, assim, a principal reivindicação de nossa comunidade, a da extrema importância dos avanços nas políticas públicas para a manutenção do bem-estar social, não só da comunidade trans, mas de todas aquelas pessoas marginalizadas e invisibilizadas. Nosso histórico de vida sempre foi pautado no confronto político, nos embates sociais e, com essa atual conjuntura, não será diferente. Olhar para trás e ver os rostos daquelas e daqueles que travaram batalhas para que possamos estar aqui, nos dá cada vez mais ânimo para seguirmos adiante.
Sou grata às que vieram antes: Roberta Close, Claudia Celeste, Kátia Tapety, Laerte Coutinho, Claudia Wonder, Brenda Lee e tantas outras das quais abriram os caminhos com muita luta, dor e resistência, para que, hoje, possamos ter um cenário um pouco menos limitador aos nossos desejos e objetivos. Para além do uso adequado de banheiros públicos, nossas reivindicações são para que possamos seguir vivas, com segurança e sem medo de sermos quem somos. É a busca pelo reconhecimento das instituições sobre nossos corpos, é a busca pelos pilares basilares de uma consciência coletiva e construtiva, onde não basta com que não nos torçam seus narizes ao nos esbarrar nas ruas, mas que, genuinamente, possam nos olhar com a mesma afetuosidade com que se olham para um de seus pares.
Escrevo esse texto para relembrarmos de que somos tão pertencentes às sociedades quanto qualquer outra pessoa cisgênera que o esteja lendo. Somos mães, pais, filhas, filhos, amigas, amigos, chefes, funcionárias e funcionários, professoras e professores, donas de casa, parlamentares e tantas outras faces que pudermos e quisermos ocupar perante nossa sociedade. Que nós possamos ser respeitadas não só entre nossa comunidade, mas também em todos os espaços que estivermos ocupando, seja no mercado de trabalho, seja no matrimônio, seja na saúde pública, ou onde mais estivermos presentes.
Para além do mês de janeiro, mais especificamente o dia 29, que possamos ser celebradas e lembradas. Que sejamos convidadas para falarmos sobre outros assuntos, que sejamos lembradas em outros momentos, pois somos parte dessa multiplicidade que se faz mulher. Somos plurais, diversas, e que, além de nosso gênero e sexualidade, sejamos referências em demais campos dos saberes e conhecimentos.
VIVA ÀS NOSSAS HISTÓRIAS!
VIVA ÀS NOSSAS TRAJETÓRIAS!
VIVA ÀS NOSSAS EXPERIÊNCIAS E RESISTÊNCIAS!
VIVA (e vivas)!
¹ Associação Nacional de Travestis e Transexuais – A Maior Rede de Pessoas Trans do Brasil. Disponível em: https://antrabrasil.org/.
² Institucional — Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/composicao.
³ Trump promete ‘deter a loucura transgênero’ em seu primeiro dia de governo – Mundo –
Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-promete-deter-a-loucura-transgenero-em-seu-primeiro-dia-de-governo/.
* Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2024. Disponível em: https://antrabrasil.org/wp-content/uploads/2025/01/dossie-antra-2025.pdf.